João Silva

Graduado em economia e relações internacionais pela Boston Univeristy. Mestre em relações internacionais na University of Chicago e mestre em finanças pela University of Miami.


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João Victor da Silva

Acesso ao capital: principal ferramenta de combate à pobreza

As medidas restritivas para tentar conter o avanço da pandemia revelou a grande mazela social do país: a vulnerabilidade socioeconômica.

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Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil.
Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil.

            No Brasil, a pandemia da COVID-19 não escancarou apenas a debilidade da saúde pública do país. Possivelmente, o uso de medidas de restrições a atividade econômica para tentar conter o avanço da pandemia, revelou a grande mazela social do país: a vulnerabilidade socioeconômica de grande parcela da população. Com a pandemia, os níveis de pobreza extrema subiram substancialmente. Em 2020, segundo o IBGE, 12,8% da população brasileira vivia abaixo da linha da pobreza, com menos de R$ 246 por mês. Outra pesquisa realizada pela Rede Pennsan revelou que 19 milhões de brasileiros passaram fome no fim de 2020. Além disso, 55,2% dos lares brasileiros conviveram com algum grau de insegurança alimentar.  

            Os números de trabalho informal no país também reforçam os graves problemas sociais que o Brasil passa. Antes mesmo da pandemia, 41,6% dos trabalhadores do país estavam alocados no setor informal da economia. Os chamados “invisíveis” foram um dos grupos mais afetados pelas medidas de restrição a atividade econômica. Aqueles que executavam seus trabalhos nas ruas das cidades perderam do dia para noite sua fonte de sustento. 

Diante de um cenário de calamidade social a classe política precisou agir para conceder a população mais afetada pela pandemia recursos que garantissem a subsistência dessa parcela da população. Quase 68 milhões de brasileiros receberam o auxílio emergencial, um número que representa aproximadamente um terço da população brasileira. 

Ao analisar o complexo cenário social do Brasil, percebe-se que a redução da pobreza deveria ser a prioridade número um de nossa classe política. Infelizmente, o debate acerca deste tema continua centrado em criar soluções de curto prazo, que buscam amenizar os problemas mais latentes da população mais pobre do país. A concessão de recursos diretos para população mais pobre através de programas como o Bolsa Família, o Auxílio Emergencial e outros menos conhecidos como o Bolsa Verde, o Programa Brasil Carinhoso e a Tarifa Social de Energia Elétrica têm um impacto positivo em aliviar os problemas da pobreza do país.

Contudo, tais programas não são a solução para o problema da pobreza no Brasil. Na realidade, tais auxílios são apenas paliativos para os graves problemas sociais que o país enfrenta. Estes programas não trazem oportunidades de ascensão social para a população mais pobre, pois ao garantirem uma renda mensal de subsistência e não concederem oportunidades para o desenvolvimento pessoal de seus beneficiários, torna-se extremamente difícil que esta parcela da população consiga ter acesso aos reais meios que podem levá-las a superar a penúria financeira.

Ao analisar o desenvolvimento econômico das nações mundo afora, observa-se que a principal característica compartilhada pelos países mais desenvolvidos é sua adesão ao sistema econômico capitalista. Afinal de contas, quando se possui um sistema econômico livre, indivíduos e empresas conseguem alocar de melhor forma seu capital e conquistar o maior rendimento possível que ele pode prover. Assim, cria-se um ambiente econômico que incentiva a acumulação de riqueza, que em última instância elevará o patrimônio e a renda, especialmente dos detentores do capital, mas também dos trabalhadores que poderão oferecer suas habilidades laborais aos detentores do capital para conquistarem um maior nível de renda. Com o decorrer do tempo, o sistema capitalista cria um ciclo virtuoso, já que a acumulação de capital leva a mais investimentos na economia, gerando mais oportunidade de emprego e renda para toda a população. 

Contudo, os mais pobres não conseguem usufruir deste sistema justamente por não terem a capacidade de acumular riquezas. Afinal de contas, quando alguém possui uma condição de vida precária, com praticamente nenhuma renda ou bens, seu objetivo de vida é apenas a luta pela sobrevivência. Sem capacidade de poupar recursos e sem condições de estudar e de preservar sua saúde, a população mais pobre torna-se impossibilitada de acumular os dois tipos de capital que permitem a ascensão socioeconômica dos indivíduos: o capital financeiro e o capital humano.  

Diante deste cenário, organizações públicas e privadas que desejam combater a pobreza devem se afastar da noção que políticas de transferência de renda ou políticas socialistas podem solucionar os problemas sociais e econômicos do país. Buscar maneiras de possibilitar o acesso ao capital a população mais pobre devem ser sua prioridade. Felizmente, a literatura econômica já possui algumas soluções para concessão de capital financeiro e humano para a população. 

Propostas de implementação

Para facilitar o acesso ao capital financeiro a população mais pobre pode-se avançar na implementação de três propostas diferentes. 

Em primeiro lugar, programas de microcrédito são uma das principais maneiras para conceder acesso ao capital para a população mais pobre. Tais programas vem tendo sucesso em diversos países do mundo, mais notadamente em Bangladesh, onde o economista Muhammad Yunus (ganhador do Prêmio Nobel da Paz) foi responsável pela criação do Grameen Bank, uma instituição financeira que concede empréstimos sem garantias para a população mais pobre do país. Através da concessão de pequenos empréstimos, seus devedores conseguiram se livrar da luta pela sobrevivência e passaram a ter uma participação mais ativa na economia, conseguindo criar pequenos negócios na agricultura, pecuária, artesanato e vários tipos de serviços. Mesmo oferecendo empréstimo sem garantias, o Grameen Bank tem uma taxa de pagamento dos empréstimos superior a 95%, possibilitando, assim, que o banco operasse com lucro em quase todos os anos desde sua fundação, ao mesmo tempo que oferece oportunidades para a ascensão social dos tomadores de empréstimo.

Outra proposta para facilitar o acesso ao capital é “ressuscitar” o “capital morto” que grande parte da população pobre possui. Segundo o economista peruano Hernando de Soto, as pessoas mais pobres possuem cerca de 9,3 trilhões de dólares de ativos não legalizados ou registrados. Afinal, a maioria dos pobres não possui título de suas propriedades e seus negócios também não são registrados. Logo, torna-se inviável que eles comercializem suas posses e utilizem esses recursos para investir em algum projeto pessoal. A partir do momento que estas pessoas consigam “ressuscitar” este “capital morto” elas poderão participar da “economia formal”, assim, tendo maior facilidade de ascender socialmente.

Os governos também poderiam realizar uma grande revolução social ao transferir sua participação em companhias mistas ou estatais para a população. Recentemente, o ministro Paulo Guedes sugeriu a criação de um fundo com ativos da Petrobrás que pagariam dividendos a população mais pobre do país. No estado americano do Alasca uma proposta parecida já está em execução a décadas. Anualmente, os moradores do estado recebem cerca de dois mil dólares, além de subsídios para serviços essenciais através dos rendimentos provenientes do Fundo Permanente do Alasca, um fundo de cerca de 65 bilhões de dólares fruto da renda gerada pela extração de petróleo no estado. Tal proposta, além de transferir riqueza e renda para população, mudam a atitude das pessoas em relação ao funcionamento da economia. Ao se tornarem acionista de fato das empresas, as pessoas deixam de questionar os preços dos serviços oferecidos e passam a demandar a maximização do lucro, assim, fomentando o crescimento econômico e afastando o avanço de ideias populistas da sociedade.

Por fim, também devemos considerar o avanço de propostas que facilitem o acesso ao capital humano pela população. Oferecer serviços de educação básica de qualidade e saúde para população são essenciais para que tenhamos indivíduos preparados para atuar em diversos setores da economia. Com mais habilidades e maior produtividade, as pessoas ganham mais e conquistam as oportunidades para se livrar do ciclo vicioso da pobreza. 

Em última instância, o combate a pobreza só terá êxito quando líderes públicos e privados passarem a buscar soluções alternativas e reais para este problema. Certamente, o acesso ao capital financeiro e humano devem fazer parte desta estratégia. Apenas com o acesso a saúde e educação e a possibilidade de acumular riquezas, a população mais pobre poderá ascender socialmente. Caso continuemos com a mesma mentalidade assistencialista, não mudaremos a realidade da população mais necessitada. Afinal de contas, o acesso ao capital sempre foi e sempre será o principal mecanismo de ascensão social da humanidade.


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